Raul Brandão

       "O que custa a largar na vida não é a esplêndida natureza, as grandes ideias, a luta ou as paixões – é o que fazemos todos os dias, é o hábito. Um médico meu conhecido do Porto, o Dr. Frias, acabou com estas palavras: – E os meus doentes? Que vai ser dos meus doentes? – Um pobre chefe de via e obras do caminho de ferro que eu conheci em Guimarães, só dizia: – A linha! Tenham cautela com a linha! – E a mim, uma das coisas que me vai custar a deixar são os meus papéis. A vida leva-nos e aturde-nos. Lutamos. Debatemo-nos. Mas quando chegamos no fim estamos todos docemente maníacos. O cúmulo é o caso acontecido com o Alfredo Guimarães, cuja vida se passou na constante preocupação do ‘bric-à-brac’ e que na agonia recomendava ainda:
       – Olhem lá se esses homens quando descerem com o meu caixão vão partir as jarras da Índia que estão no patamar da escada."

      in, Memórias

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